quarta-feira, maio 01, 2013

Aeroporto de Jericoacoara: o discurso das benesses sociais na economia regional do Ceará

Um jornal de grande circulação no estado do Ceará - Brasil vem publicando uma série de reportagens sobre a construção do aeroporto internacional de Jericoacoara – Ceará. Algo que poderia ser considerado normal, tendo em conta a importância que o equipamento terá para o desenvolvimento da região.
Após uma consulta no sítio do próprio jornal, verificamos 41 reportagens que foram feitas desde 2008. Neste sentido, conseguimos fazer uma espécie de retrospectiva de todo o processo de construção deste aeroporto, desde as licitações e deliberações de órgãos fiscalizadores até a finalização da pista de pouso e avanços em outras etapas. A obra ainda está em fase de conclusão.
Durante todo este período, que vai de 2008 até aos dias de hoje, tivemos a oportunidade de verificar algumas fragilidades orçamentárias, paralisações de trabalhos, manifestações da população local e promessas de um grande avanço para a economia local e regional. Em termos financeiros, o Governo Estadual investiu cerca de 64 milhões de Reais (aproximadamente 25 milhões de Euros). A maior parte foi financiada pelo próprio Estado, que ao mesmo tempo realizou parcerias com o Governo Federal através do Ministério do Turismo.
A grande questão está em saber quem serão os maiores beneficiados, sendo que o Governo aponta alguns setores que sairão favorecidos com esta construção. Assim, o aeroporto será construído na cidade de Cruz, localizada a aproximadamente 250 km de Fortaleza, no litoral oeste do estado do Ceará. O município de Jijoca de Jericoacoara, que fica a 15 km do aeroporto, terá como benefício um crescimento significativo na atração dos turistas, pois possui algumas das praias mais conhecidas no cenário nacional e internacional, tanto pelas suas belezas naturais como pela prática de esportes: o kitesurf e o windsurf. Também alguns municípios mais distantes, que ficam em um raio de aproximadamente 300 km de Cruz, tais como, São Benedito, Tianguá, Viçosa e Guaramiranga, por possuírem um clima mais ameno, diferenciado de todo o restante do estado, e que realizam cultivos de grande valor comercial, como o morango e a produção de flores, tanto para o mercado interno como para o externo, terão no aeroporto um grande facilitador para a dinamização do transporte das mercadorias.
Devemos pensar que por trás das benesses e seus beneficiados, não se houve falar dos prejuízos e muito menos dos que não serão favorecidos. Se, por um lado, o Governo quer incentivar o turismo ambiental em Jericoacoara, por outro, ignora que com o significativo aumento do fluxo de turistas num local que está protegida por fazer parte do Parque Nacional de Jericoacoara, a área precisará de estar minimamente preparada para a coleta do lixo, manutenção do esgoto sanitário, entre outras estruturas. Vale a pena lembrar que, por fazer parte de uma rota aérea, também sofrerá com a poluição sonora.
Do ponto de vista eleitoral, publicitar a construção de um aeroporto com a promessa de melhorar a economia pode resultar em muitos eleitores satisfeitos. O que muitos não sabem ou ainda não se deram conta é que muitos produtores de frutas e flores serão excluídos do mercado de exportação. Tudo isto porque nem todos possuem capacidade produtiva e/ou capital suficiente para a produção em larga escala e que possa suprir as exigências do mercado internacional. Ou seja, será vantajoso apenas para os maiores produtores, que possuem um maior poder de investimento.
Muitas vezes, os pequenos produtores são iludidos com a ideia de que com a implantação de um aeroporto e/ou outras infraestruturas, irão alavancar suas vendas. Contudo, muitas vezes, não se dão conta de que essas infraestruturas são criadas, em sua maior parte, para o beneficio de empresários e produtores bem sucedidos, que conseguem exercer influência na política por conta do dinheiro que será investido e que, consequentemente, gerará riqueza para o Estado. Outra ilusão é o fato de os moradores acreditarem que os postos de trabalho serão distribuídos igualitariamente, esquecendo-se que muitos cargos exigem formação e experiência.
Acreditamos que os fortes investimentos em infraestruturas no estado não devem ser cortados, mas precisamos discutir quem de fato será beneficiado com esses investimentos. Para além da discussão econômica, como geógrafos, não podemos nos esquecer dos fatores físicos, ambientais e sociais que estão envolvidos. Precisamos elaborar planos de controle de visitantes, aumentar a fiscalização nas áreas protegidas e investir em formação educacional e profissional nestas áreas, além de campanhas educativas para a manutenção e preservação de todo o parque nacional e suas áreas circunvizinhas, a fim de diminuir os impactos que serão causados com o aumento das visitas. Quanto aos pequenos produtores, o estado deve incentivar com a disponibilização de insumos (sementes), seguro-safra e até a oferta de cursos profissionalizantes para suprir a carência do mercado.

Ivna Machado

Referências:
NORDESTE, Diário do. (2013) Aeroporto de Jeri facilitara turismo ambiental. [On Line]. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1259936 Acesso em: 26 abril de 2013.
NORDESTE, Diário do. (2012) Fluxo de passageiros é o maior na década. [On Line]. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1199284 Acesso em: 25 abril de 2013.
NORDESTE, Diário do. (2009) Moradores reivindicam obras. [On Line]. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/m/materia.asp?codigo=634274 Acesso em: 25 abril de 2013. 

(artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular "Economia e Política Regional" do Mestrado em Geografia, do ICS/UMinho)

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