quinta-feira, janeiro 05, 2012

O pão-de-ló de Ovar

O pão-de-ló é um doce à base de ovos, açúcar e farinha de trigo. Em Portugal, existem diversas variedades regionais de pão-de-ló, que se tornaram símbolos das respectivas regiões de origem, como o de Alfeizerão, o de Ovar, o de Margaride e o de Arouca. Existem também outras partes do Mundo em que este género de doce é bastante apreciado. Na Itália, este designa-se de Pan di Spagna (Pão de Espanha). Na cozinha inglesa e americana, o bolo mais parecido com o pão-de-ló é o Sponge Cake (Bolo Esponjoso). Os primeiros portugueses que chegaram ao Japão no século XVI levaram também consigo uma receita semelhante à do pão-de-ló, na altura chamado de Pão de Castela. Essa mesma receita, refinada ao longo dos séculos, tornou-se num dos doces mais típicos do Japão, o Kasutera.
A região portuguesa de Ovar é então conhecida pelo seu pão-de-ló particular, uma especialidade regional que é considerada um dos ex libris da cidade. Não se conhecem concretamente as razões do surgimento desta iguaria em Ovar, mas apenas que esta é de origem conventual, especulando-se que uma freira vareira tenha divulgado a sua receita a algum familiar ou amigo residente em Ovar. Esta especulação tem em conta que as comunidades conventuais em Portugal, nomeadamente as femininas, eram integradas por devotas oriundas das melhores famílias do Reino, e que estas ocupavam o seu tempo conferindo originalidade e requinte à doçaria exótica destinada aos seus ilustres convidados.
Sabe-se, no entanto, que a confecção do pão-de-ló de Ovar é anterior ao século XVIII, sendo esta receita referida na obra Os Passos, da autoria do Padre Manoel de Oliveira Lírio: "Em 1781, são obsequiados com Pães-de-Ló de Ovar os Padres que levaram o andor na procissão dos Passos". A iguaria encontra-se igualmente referida na obra Aveiro e seu Distrito de Marques Gomes, num excerto relativo à então vila de Ovar: "Na confeitaria tornam-se notáveis o pão-de-ló e os ovos-moles, rivais dos de Aveiro".
Já no século XIX, a iguaria era confeccionada, com uma ou outra variação, por várias das famílias de Ovar, destacando-se a família Arrota, a Virgílio, a Guedes e a Presódias. Havia várias receitas de pão-de-ló, que se diferenciavam bastante umas das outras. A mais característica era a que apresentava mais , ou seja, aquela que possuía maior humidade de ovos na parte superior da broa. Luíz de Oliveira Gomes, membro da família Arrota, criou o hábito de, nas quadras festivas do Natal e da Páscoa, presentear os seus clientes e amigos com pães-de-ló de Ovar, que eram então transportados em canastras próprias, cobertas com lona. Esta prática deu origem a que o fabrico da iguaria registasse um significativo crescimento no segundo quartel do século XIX. Esse fabrico de dimensão familiar teve continuidade na pessoa da sua cunhada, Rosa de Oliveira Duarte e mais tarde dos seus filhos.
Até ao final do século XIX, o seu fabrico era artesanal: a massa era batida à mão durante duas horas em alguidares de barro vermelho com uma pá de madeira, e seguidamente cozida, em formas também de barro, forradas com papel de linho branco, em fornos de lenha aquecidos com pinhas ou ramos secos. Para testar a temperatura do forno, era na altura utilizada uma vara comprida, levando na extremidade uma tira de papel de linho branco, devendo esta permanecer no interior do forno durante o tempo de orar um pai-nosso, ocasião em que se invocava uma boa cozedura. Uma forma de tamanho médio levava cerca de 500 gramas de açúcar, o que naquele tempo correspondia a um arrátel (antiga unidade de peso). Era ainda tradição que as pessoas da vila fornecessem ovos, açúcar e farinha de trigo, levando para si as claras restantes e pagando apenas os chamados fabrico e feitio. Para o transporte dos pães-de-ló eram utilizados cestos ou tabuleiros aproveitados exclusivamente para esse fim e guarnecidos por panos de linho bordados.
Ao longo dos tempos as técnicas e as características deste doce foram sofrendo ligeiras alterações. Do processo original de fabrico do pão-de-ló de Ovar, ficaram apenas as formas de barro forradas a papel, tendo o restante processo sido industrializado. No entanto, esta iguaria não perdeu o seu paladar único, que o distingue dos restantes pães-de-ló, sobretudo pela sua textura cremosa, que lhe é conferida pelos ovos-moles.
 O pão-de-ló de Ovar tem então o formato de uma broa, de massa muito leve e fofa. Na parte superior destaca-se uma finíssima côdea húmida, de cor levemente acastanhada, circundada por uma orla de massa cremosa em tom amarelado, com uma fragrância característica.
Dentro da gastronomia portuguesa, a doçaria, nomeadamente a conventual, merece de facto um destaque. Grande parte da nossa doçaria teve origem nos conventos e mosteiros e em muitos casos a sua confecção varia consoante a região, o que torna os produtos tão particulares. Dos pastéis de Belém, que apesar de serem uma das imagens mais reconhecidas da nossa doçaria não são o único artigo digno de nota, ao tradicional pão-de-ló de Ovar ou às fatias de Tomar, há muito por onde escolher e de grande qualidade. De norte a sul temos doces fabulosos que quer os portugueses quer os estrangeiros procuram sempre saborear.

Telma Silva

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Regional” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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