sexta-feira, janeiro 13, 2012

O Fim das SCUT

A sigla SCUT é uma abreviatura que significa “Sem Custos para o Utilizador”. O conceito foi introduzido em Portugal em 1997 pela mão de João Cravinho, no governo de António Guterres, e tem permitido circular em certas auto-estradas em regime de portagens virtuais, ou seja, sem que os utilizadores paguem portagens, e cujos custos eram suportados pelo estado português.
Este sistema milagroso conciliava o melhor de dois mundos: o governo mostrava obra ao país das auto-estradas e a conta, paga com os impostos de todos, incluindo os que não as utilizariam. Assim, no modelo de SCUT, a construção, conservação e manutenção das estradas portuguesas é financiada com o dinheiro dos impostos dos contribuintes podendo haver também comparticipação de fundos comunitários, uma vez que o Estado substitui-se ao utilizador no pagamento da portagem. Neste caso o Estado entrega a construção, financiamento, exploração e manutenção da auto-estrada a um consórcio privado, pagando a este uma dada tarifa por cada veículo que circula nessa via. Já no modelo de portagem, para além de uma ajuda do Estado no custo da construção, é o utilizador da mesma que através do pagamento da portagem sustenta a construção, financiamento, manutenção e exploração da auto-estrada.
Em Portugal existem cerca de 914 km de auto-estrada em regime SCUT, representam um terço do total de auto-estradas existentes no país e custam, anualmente, ao Estado cerca de 700 milhões de euros. Em tempos de austeridade e de corte de despesas públicas, acabar com as SCUT poderia ser uma boa opção. O Governo quis fazê-lo de forma faseada, começando pelas do Norte Litoral, Grande Porto e Costa de Prata, e alargando posteriormente às restantes. Aproximadamente 55% das SCUT situam-se no interior, atravessando concelhos cujo nível de desenvolvimento não justificaria o seu pagamento pelos utilizadores, contudo, este conceito foi abolido em 2011. A auto-estrada A4, A17, A28, A29, A41 e A42 deixaram o regime SCUT e passaram a ser pagas às 00h00 de 15 de Outubro de 2010, dando assim início ao plano do governo de eliminação das SCUT. Às 00h00 do dia 8 de Dezembro de 2011 foi a vez das auto-estradas A22, A23, A24 e A25 abandonarem este sistema de pagamento acabando assim este conceito no nosso país.
O princípio do utilizador-pagador defende que os recursos naturais devem estar sujeitos à aplicação de instrumentos económicos para que o seu aproveitamento se processe em benefício da colectividade, ou seja, quem utiliza uma infra-estrutura deve pagar por ela, e com a actual situação, as despesas com as SCUT estão a ser pagas por todos os contribuintes, quer as utilizem muito, pouco ou nada. O pagamento das infra-estruturas e da sua manutenção por quem as utiliza (e degrada) reduzirá o peso da despesa dos contribuintes, poderá reduzir ainda o défice orçamental e libertar mais dinheiro para criar melhores condições sociais. Com o fim das SCUT, a Estradas de Portugal prevê de receita cobrada em todas as sete existentes a verba de 130 milhões, face a encargos totais com as concessões de 532 milhões de euros. Mas poder-se-á, com verdade, dizer que os utilizadores/beneficiários duma A28 são os condutores das viaturas? Os beneficiários da A28 não serão também os empresários que a utilizam para exportar, a tempo e horas e com segurança, os seus produtos; os trabalhadores que a utilizam para chegar a tempo e em segurança aos seus locais de trabalho; os estudantes que a utilizam para se deslocarem aos estabelecimentos de ensino? Não serão também as regiões Norte e Centro, a economia, todo o país, a beneficiar com uma A28 como SCUT?
Na minha opinião, e tal como o presidente do Turismo do Centro de Portugal afirmou, a eliminação das SCUT é um passo "em direcção ao abismo", uma vez que cerca de 66% da procura externa para a região advém de Espanha e com a introdução de portagens, aqueles que compõem o principal mercado externo do centro, simplesmente, “não vêm”, verificando-se quebras profundas com esta modificação. Mais declara que "O Estado não pode aplicar ao interior e às regiões de baixa densidade aquilo que aplica às de alta densidade". Os condutores espanhóis consideram “má” esta decisão uma vez que com as portagens, o número de deslocações irá diminuir e o comércio nacional “vai notar as consequências”, e “Portugal vai perder muito”. Ao mesmo tempo, o presidente do Turismo da Serra da Estrela acrescentou que os custos da portagem na região equivalem a "mais de metade dos custos de uma noite hoteleira". As comunidades portuguesas no Reino Unido, França ou Alemanha contestaram e ponderam deixar de passar férias em Portugal por ficar mais caro do que outros destinos. Perante isto quem fica a perder é o país, porque as pessoas vão para outros destinos passar férias em vez de virem para Portugal. Há mesmo emigrantes portugueses que apesar de ainda regressarem a Portugal pelo patriotismo e pelos familiares colocam a hipótese de não passarem as férias de Natal, nem de Verão, em Portugal se cada vez que se deslocam de um lado para o outro, principalmente no interior do país, tem de pagar, “se vamos ter que andar a pagar portagens, tudo se torna complicado". É ainda reclamado o facto de as tarifas serem "caras" e de nem haver informação suficiente sobre a forma de pagamento.
Quem também sofre com a implementação de portagens nas SCUT são as Micro, Pequenas e Médias Empresas, que exigiram ao Governo a suspensão da medida até existirem "vias alternativas dignas desse nome", porque os custos vão causar o encerramento de muitas empresas. Com o pagamento de portagens na A22, A23, A4 e A25 aumentam de imediato os custos do exercício nas actividades que necessitam de utilizar estas vias, e como, na prática, não existem vias alternativas, a utilização dos inadequados percursos que se pretendem que sejam alternativos, atravessando constantemente localidades, por vias com pisos de má qualidade, levam ao acréscimo de quilómetros a percorrer, também a mais horas de viagem, maior desgaste de viaturas e aumento da fadiga, logo a maior insegurança na estrada, além de que os pisos das pretensas alternativas não estão preparados para um aumento de tráfego.
O aumento previsto para Janeiro de 4,36% nos preços das portagens nas auto-estradas e ex-SCUT só vai acrescentar crise à crise pelo que este acréscimo nos preços vai continuar a influenciar, de forma negativa, a vida das famílias e das empresas, e só vai arruinar, ainda mais, a economia nacional.
Assim, colocando na balança os prós e os contras do pagamento das portagens, sem alternativas com condições, a introdução de portagens nas ex-SCUT tem efeitos mais negativos do que positivos, já para não referir que nos primeiros 10 meses e meio de cobrança de portagens nas três antigas SCUT (Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata), as receitas foram de apenas 72 milhões de euros, e deduzindo este montante de receitas, a introdução de portagens teve um resultado líquido negativo para o Estado de cerca de 637 milhões de euros no primeiro ano, ou seja, as receitas recolhidas com as portagens não tem conseguido compensar as perdas pelo que se pode concluir que acabar com as SCUT não é boa opção.

Diogo Azevedo

[Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Regional” do 3ºano do curso de Economia da EEG/UMinho]

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