quinta-feira, outubro 29, 2009

Onde se fala de Leiria, de distritos e de estratégias de desenvolvimento do território ou da sua ausência

Jornal de Leiria
Resposta às questões da jornalista Raquel Silva, datadas de 2009/10/22

1 - Acha que o distrito de Leiria, enquanto tal, tem uma identidade própria e capacidade de lobby? Porquê?
R: De um modo geral, hoje em dia, a realidade dos distritos sugere-se algo difusa. O que lhe dá algum fundamento é a existência de um governador civil e de círculos político-eleitorais com essa configuração geográfica. Estando em causa a gestão de programas públicos de financiamento ou a recolha de informação estatística, as unidades territoriais pertinentes são outras. Querendo reportar-nos à identidade histórico-cultural das populações, as entidades territoriais são também outras, aliás, distintas de quaisquer das antes invocadas.
No caso concreto de Leiria, o que digo antes tem ainda maior cabimento do que teria se se tratasse de algumas outras parcelas do país, já que a ausência de uma liderança (política e económica) regional bem identificada tem ditado que a parte sudoeste do distrito tenha vindo a ser crescentemente polarizada por Lisboa, enquanto que a parte norte tem estado sujeita à cobiça de Coimbra, que, na falta de peso específico, tende a procurá-lo na área envolvente. Sem liderança e sem projecto (colectivo), não há como exercer pressão sobre o poder central ou afirmar uma vontade específica face aos “lobbies” com sede noutros territórios (distritos, NUTs II ou seja o que for).

2 - Que complicações pode causar a fragmentação de um distrito por vários organismos/entidades?
R: O que tradicionalmente tem existido, não só com impacto em Leiria, tem sido a incoerência/inconsistência das áreas geográficas de intervenção dos programas sectoriais, isto é, se cada ministério tem o seu modelo de organização do país e os seus programas públicos e não há nenhuma instância de coordenação territorial que dê consistência a essas intervenções, o resultado só pode ser ineficiente. É verdade que nos últimos anos se caminhou para a unificação das circunscrições sub-nacionais em que se organizam as tutelas sectoriais, mas não é menos verdade que as soluções que se foram impondo são em grande medida artificiais e se ganhou muito pouco em matéria de concertação territorial das políticas. Por força de conveniências externas, o Distrito de Leiria, por exemplo, está compartimentando em dois no que se refere às políticas derivadas do QREN. Tratando-se de gestão turística, passa-se outro tanto, sendo mais do que duvidoso que a divisão das regiões turísticas a que se chegou tenha razão de ser num conceito consistente de destino turístico ou de produto (ou carteira de produtos) turístico(s). Assim sendo, é muito difícil que os recursos sejam bem aplicados ou que o território possa tirar o melhor proveito dos seus recursos e capacidades.

3 - A existência de distritos ainda faz sentido? Porquê?
É duvidoso que se justifique a existência de uma circunscrição territorial só para efeitos de representação desconcentrada do governo central ou para efeitos de gestão das polícias ou de coordenação das forças de protecção civil. Se a reforma dos círculos eleitorais evoluir entretanto no sentido da criação de círculos que ditem uma relação mais directa entre eleitores e eleitos, não se vê porque haverá que manter os distritos. Óbvio é que há níveis de planeamento e de gestão político-administrativa do território que requerem escalas supra-municipais ou regionais mas, assim sendo, haverá (haveria) que definir unidades territoriais que reunissem escala económica e demográfica e consistência social e cultural adequadas, o que não é assegurado pelos distritos assistentes.

4 - Há quem defenda que os distritos são figuras moribundas que só servem para manter governadores civis. Qual a sua posição?
Julgo que a resposta a esta questão foi já dada no número precedente. Aliás, não foi por acaso que, por meados dos anos 90 do século passado, a extinção dos governos civis esteve programada. Sendo uma realidade cuja criação remonta aos anos 30 do século XIX, dificilmente se ajustaria às dinâmicas económicas e sociais dos nossos tempos. Se faz sentido rever o mapa existente de municípios e freguesias, muito mais o faz o das circunscrições intermédias entre o nível local e o nível nacional, para mais tratando-se de uma unidade territorial quase vazia de funções.

5 - Qual o modelo mais prático/mais útil para a organização do território nacional, com vista ao seu desenvolvimento?
O desenvolvimento dos territórios supõe a existência e mobilização de recursos e competências, externas e sobretudo endógenas. Pressupõe, igualmente, um projecto ou estratégia que articule aqueles (recursos e competências) com metas sociais definidas e intérpretes da vontade existente. Dizendo de outro modo, a componente político-institucional é parte de qualquer projecto de desenvolvimento. Eventuais lideranças económicas precisam de envolventes e cumplicidades institucionais para serem eficazes e consequentes. Mesmo existindo, lideranças sociais e políticas desligadas nunca terão o mesmo nível de eficácia na prossecução de metas de desenvolvimento que lideranças coesas e esclarecidas.
A meu ver, a regionalização é deste ponto de vista uma necessidade. Não serve é qualquer partição do território, porque por essa via se estará a promover a coesão social ou se estará, apenas, a criar instâncias de gestão de poder não central, eventualmente, servindo a mesma lógica daquele. Diga-se abertamente que não me identifico com o conceito de região centro, que pela própria designação se deduz que é uma realidade não existente, quer dizer, que não tem materialidade em termos de funcionalidade económica, matriz história, vivência cultural e social.

(Braga, 25 de Outubro de 2009)

J. Cadima Ribeiro

1 comentário:

Antonio Almeida Felizes disse...

Caro Prof. J Cadima Ribeiro,

Dada a temática abordada, tomei a liberdade de publicar este seu "post", com o respectivo link, no
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Regionalização
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Cumprimentos