quinta-feira, abril 26, 2007

O abandono do país por parte das multinacionais

"P: Tem-se assistido ao abandono do País por parte de várias multinacionais. De que forma se pode contrariar esta tendência?
R: O abandono por parte de algumas multinacionais surge no mesmo enquadramento que as trouxe. Aliás, se algumas se vão, outras vão chegando, só que o drama e visibilidade pública associados aos encerramentos são muito maiores no primeiro caso que no segundo.
Tudo isto se prende com as estratégias competitivas das empresas que operam em mercados globais e com as oportunidades em matéria de custos, de acesso a recursos naturais, mercados, redes logísticas e a capital humano que se vão revelando nos diferentes contextos económicos. Quero eu dizer que as razões que podem trazer novos investimentos externos a Portugal são necessariamente diferentes daquelas que os trouxeram no passado.
O que se pode fazer? Pode-se investir mais em qualificação dos recursos humanos. Pode-se apostar muito mais no desenvolvimento do sistema científico e tecnológico. Pode-se requalificar o território e dotar melhor o país de infra-estruturas diversas, incluindo as logísticas e as associadas à potenciação do país em matéria de turismo e lazer. Pode-se aproveitar bem melhor as relações - históricas, culturais - que o país mantém com muitas partes do mundo e potenciar a partir daí parcerias empresariais de que possamos aproveitar para chegar a novos mercados e criarmos empregos em Portugal. Pode-se dar eficiência à máquina burocrática que regula o funcionamento das empresas e da economia, de um modo genérico. Pode-se ser bastante mais célere e esclarecido nos processos de negociação com os operadores internacionais interessados."
J. Cadima Ribeiro
(extracto de entrevista concedida ao Jornal de Leiria, de 07/04/19; entrevista conduzida pela jornalista Raquel Silva)

segunda-feira, abril 23, 2007

O papel dos actores do território

"P: E que papel devem ter os vários agentes regionais nesse processo?

R: Supostamente, os agentes regionais deveriam ser capazes de identificar os recursos e competências dos territórios e, a partir daí, desenvolverem estratégias que os realizem como sujeitos individuais ou comunidade humana, obedecendo aos anseios da dita comunidade. Dito assim, quer-se sublinhar que, clarificados os grandes objectivos de desenvolvimento da comunidade sedeada num certo enquadramento geográfico, actores económicos, actores sociais, actores culturais e actores políticos são, todos, instrumentos desse projecto de desenvolvimento e, coerentemente, deveriam ser capazes de concertar esforços e estabelecer parcerias para o desenvolvimento. Não significa isso que tenham todos de pensar de igual modo. Pelo contrário, a diferença de visões é um elemento essencial nas respostas criativas. Significa antes, que, informados por metas que sejam as da comunidade territorial, têm que saber preservar os espaços de diálogo e de congregação de vontades da comunidade que integram."
J. Cadima Ribeiro
(extracto de entrevista concedida ao Jornal de Leiria, de 07/04/19; entrevista conduzida pela jornalista Raquel Silva)

quinta-feira, abril 19, 2007

O território não é um palco

"P: Qual a importância do território, per si, no desenvolvimento regional?
R: O território é um elemento central de qualquer projecto de desenvolvimento, por diversas ordens de razões: primeiro, porque não há actividade ou agente que, num dado momento, não tenho uma localização específica; segundo, porque um território começa por ser um espaço físico para ser, depois, sobretudo uma rede de pessoas e de organizações, informadas por valores, atitudes e culturas que são sempre singulares e que explicam, em cada situação, o atraso, a inércia empobrecedora ou a iniciativa empresarial e a capacidades das comunidades se transcenderem na resposta aos desafios de desenvolvimento que lhes são colocados; terceiro, porque, aparte solidariedades e dinamismos económicos e sociais, os territórios são repositórios de recursos básicos, apresentando-se diferentemente dotados, à partida. Quer isto dizer que o território não é um palco; é um sujeito do processo de desenvolvimento, na medida em que o informa e o condiciona ou potencia."
J. Cadima Ribeiro
(extracto de entrevista concedida ao Jornal de Leiria, de 07/04/19; entrevista conduzida pela jornalista Raquel Silva)

terça-feira, abril 10, 2007

O interesse da cooperação transfronteiriça

Em trabalho datado de 1990, Dennis MAILLAT observa que a principal característica das regiões transfronteiriças é a justaposição de dois sistemas distinto, condicionados por duas soberanias. Isto é, estas regiões constituem zonas de separação (effect de coupure) e de contacto (effect de soudure), onde se manifestam dois princípios antagónicos: proteccionismo e livre-mercado. E uma vez que estão presentes dois sistemas distintos num mesmo espaço (espaço transfronteiriço), surgem tensões prejudiciais ao seu desenvolvimento, nomeadamente no que se reporta aos fluxos económicos.
JEANNERET, citado por MAILLAT (1990), argumenta que estas tensões vão depender principalmente do seguinte:
i) da importância das disparidades económicas de um e outro lados da fronteira - oferecendo-se as diferenças de níveis de desenvolvimento como poderoso factor explicativo da natureza e importância dos movimentos fronteiriços de mão-de-obra;
ii) das disparidades monetárias - as quais se repercutem não somente sobre as condições de vida dos habitantes mas, também, sobre as condições de concorrência de um e outro lados da fronteira;
iii) do grau de harmonização das políticas sociais e situação mais ou menos precária dos trabalhadores fronteiriços;
iv) da falta de coordenação em matéria de infra-estruturas (por exemplo, de transportes e comunicações);
v) de numerosas dificuldades administrativas, que criam fricções permanentes nos postos fronteiriços.

A criação do "mercado transfronteiriço" exige, por isso, não só a eliminação das fronteiras físicas, mas também a eliminação das fronteiras técnicas. Conforme é fácil de entender, de pouco adiantaria abolir os obstáculos existentes nas fronteiras e continuar com obstáculos no interior dos Estados.
Esta leitura dos condicionalismos que afectam(ram) muitas regiões fronteiriças europeias acompanha de perto as visões que da mesma realidade mantém a Comissão Europeia (CCE), conforme o exprime em comunicação que fez ao Conselho e ao Parlamento Europeu, em 1992 (CCE, 1992, p.169). Na mencionada comunicação e sublinhando, em particular,
i) o posicionamento periférico destas face às sedes do poder económico e político do respectivos Estados,
ii) a ruptura entre as áreas comerciais configuradas por estes territórios e as correspondentes zonas complementares,
iii) a sua colocação genérica nos extremos das redes nacionais de transportes e comunicações, e,
iv) concretizando para o caso de Portugal e Espanha, a fraca dotação em recursos naturais e em serviços sociais e empresariais.

Tendo em conta este conjunto de limitações, não admira que, em média, as zonas fronteiriças tenham níveis de rendimento per capita mais baixos e taxas de desemprego mais elevadas que a outras regiões dos respectivos países.
Em razão deste diagnóstico, a Comissão Europeia e os Estados -membros vêm desenvolvendo um esforço conjunto que se vem materializando a nível de investimento em infra-estruturas básicas e de capacidade produtiva instalada. No entanto, o meio privilegiado para alcançar um maior nível de bem-estar nestas regiões reside na cooperação transfronteiriça, já que esta viabiliza a promoção "externa" dos respectivos territórios, a identificação de necessidades, constrangimentos e potencialidades (recursos) comuns, o estabelecimento - com base nesse diagnóstico - de uma estratégia comum de acção, e o intercâmbio de conhecimentos e experiências.
Dito de outro modo, o desenvolvimento destes territórios, para além de uma dotação mínima em matéria de infra-estruturas básicas, supõe, também, que as regiões fronteiriças consigam alcançar economias de escala e uma maior eficácia na oferta de bens e serviços, que dita, por sua vez, a exigência do planeamento e da prestação conjunta de serviços públicos e da organização em comum das redes de transportes e comunicações.
As exigências da coordenação das políticas parecem-nos óbvias. Em todo o caso, explicita-se que as políticas públicas tradicionais, elaboradas e executadas de forma isolada, isto é, por cada um dos lados da fronteira, foram acumulando custos e deseconomia externas, inerentes à ausência de uma organização económica racional das áreas de mercado para os bens e serviços originários das unidades económicas aí sediadas. Mais: de uma maneira geral, as políticas dos Estados-Nações foram desfavoráveis às regiões fronteiriças. A localização dos principais serviços fez-se nos grandes centros e estes, por sua vez, desenvolveram-se for a das regiões fronteiriças.
Conforme o considera HANSEN (1983), pode-se admitir que tenha existido alguma justificação para a implementação deste modelo de política se se mantiver em consideração a ameaça militar, mais iminente na fronteira do Estado. A essa luz, a filosofia de criar um "deserto" entre os dois países em lítigio (real ou potencial) parece fazer todo o sentido. As coisas mundam de figura na presença de um projecto de integração económica, social e política que, como tal, não pode dispensar um nível mínimo de equilíbrio em matéria de desenvolvimento e, claro está, de comprometimento dos cidadãos com esse projecto político.
J. Cadima Ribeiro

(texto datado de 2001/08/10)